Ensaio filosófico - um texto que fez filosofia


Tema/problema do mundo contemporâneo - EUTANÁSIA

Desde sempre a morte tem sido uma preocupação para Homem. A sua inevitabilidade é um dos grandes problemas de existência humana. Com o avanço da ciência, surgem novas tecnologias e conhecimentos médicos que permitem prolongar a vida de pacientes em estado terminal. No entanto, estes métodos vêm contrariar a naturalidade e a inevitabilidade da morte, levantado problemas no âmbito da ética. Por exemplo, no filme “Million Dollar Baby” a protagonista Maggie sofre um grave acidente que a deixa tetraplégica e dependente de um ventilador. Com o tempo, desenvolve úlceras na pele por falta de mobilidade e é submetida à amputação de uma perna como resultado de uma infeção. Perante esta situação irreversível, será eticamente correto adiar a morte e prolongar o seu estado de constante agonia? A eutanásia procura ser a solução para este problema. Etimologicamente, a palavra eutanásia tem origem grega e resulta da conjunção dos termos “eu” (que significa bom) e “thanatos” (que se traduz em morte). Neste sentido, a palavra eutanásia significa "morte boa” ou “morte suave” e corresponde ao ato de causar intencionalmente a morte de um indivíduo, que possui uma fraca ou até inexistente qualidade de vida e/ou que se encontra em estado de constante sofrimento intenso. Esta decorre de maneira controlada e assistida por um especialista. Diz-se eutanásia ativa quando se põe fim à vida de um indivíduo através de um procedimento que é ele próprio a causa direta da morte, como por exemplo a injeção letal de fármacos ou a iniciativa de desligar os aparelhos que mantêm o paciente vivo. Por sua vez, a eutanásia passiva resume-se à interrupção do tratamento com o objetivo de minorar o sofrimento. Não interessa prolongar a vida, considerando que todas as possibilidades terapêuticas se esgotaram. A eutanásia tem suscitado, cada vez mais, polémica, uma vez que desafia dimensões como a ética, a moral e a religião, pondo em causa determinados princípios, valores e crenças pessoais.  Neste sentido, emerge a questão: Será a eutanásia eticamente aceitável? O que é correto fazer-se no exercício da medicina? Este ensaio filosófico tem como finalidade apresentar uma reflexão com alguns argumentos a favor da eutanásia. De seguida, serão apresentadas as objeções de Kant e Leibniz aos argumentos expostos e uma possível resposta. Finalmente, explicitaremos a nossa opinião salientando os pontos mais importantes. A eutanásia é um procedimento necessário em situações extremas e irreversíveis. É um modo de fugir ao sofrimento quando falta a qualidade de vida. Muitas vezes, a autonomia motora da pessoa é comprometida, obrigando a uma dependência externa para garantir as necessidades básicas de vida. Esta condição leva o indivíduo afetado a considerar-se um “peso” para a família e amigos, preferindo libertá-los da responsabilidade permanente. A eutanásia não apoia nem defende a morte, apenas faz a reflexão de uma morte mais suave e menos dolorosa em vez de uma morte lenta e sofrida. Cada indivíduo tem o direito de decidir por si próprio a prática ou não da eutanásia com base no livre-arbítrio. Não cabe a nenhum de nós impedir essa escolha quando nunca estivemos na pele de alguém portador de uma doença incurável e/ou terminal ou de alguém que sofreu um acidente incapacitante que pôs em causa a sua dignidade e integridade. Por exemplo, toda a gente sabe que fumar mata, mas ninguém tira do mercado o tabaco, apenas fica ao critério de cada um fumar ou não. Quem luta pelo direito à eutanásia não teme a morte, pelo contrário, vê a morte como um fim desejado para uma vida que em si mesma já não tem qualquer valor. O desespero e a angústia de uma vida condicionada e reduzida à pura existência são, indubitavelmente, motivos fortes e suficientes para deixar ao critério das pessoas, que se encontram nestas condições. Assim sendo, alguém que ajude ou aconselhe uma pessoa durante o processo de tomada de decisão da eutanásia não está a cometer nenhum mal contra essa pessoa ou contra si mesma, está antes a contribuir para a realização de um último desejo de vida. Uma possível objeção é dada por Emmanuel Kant. Segundo este filósofo, manter a vida é um dever, o contrário viola a dignidade da pessoa humana. A vida é um valor em si mesma e, como tal, merece ser respeitada e conservada até ao seu fim natural. A linha de pensamento de Kant vai de encontro com o argumento religioso porque a vida é um imperativo categórico, absoluto, universal e inquestionável. Segundo este argumento, a eutanásia pode ser considerada uma usurpação do direito à vida humana criada por Deus. A Igreja defende o caráter sagrado da vida, sendo Deus o único que pode dar e tirar a vida a alguém. Todos temos um tempo definido na Terra e não devemos interferir nos planos que Ele tem para nós. Leibniz também argumenta contra a eutanásia. Segundo a Teodiceia de Leibniz, o mal é necessário para o nosso aperfeiçoamento moral e espiritual. O sofrimento põe à prova a nossa força de caráter, pois tudo o que acontece tem uma razão suficiente para ser assim e não de outra forma, afinal “Deus escreve certo por linhas tortas” e o sofrimento pode dar sentido à vida, nesta perspetiva religiosa. Por outro lado, são conhecidos casos de pessoas em fase terminal que conseguem recuperar. Neste sentido, por mais reduzida que seja, há sempre uma possibilidade de recuperação e a esperança deve ser mantida até se provar o contrário. O indivíduo deve lutar pela vida e não acabar com ela, sendo a morte uma consequência e não uma solução. Em contrapartida, podemos afirmar que ao prolongar a vida da pessoa afetada estamos também a prolongar o seu sofrimento. Sobreviver não é sinónimo de viver. A despenalização da eutanásia não obriga ninguém a morrer, apenas respeita a liberdade de escolha de cada um e viabiliza o direito a uma morte digna. Tomemos como exemplo o filme “Mar adentro” baseado numa história verídica. Ramón Sampedro, um marinheiro espanhol, sofreu um acidente quase mortal, aos 25 anos, quando ao mergulhar no mar bateu com a cabeça numa pedra, ficando permanentemente tetraplégico. Perante a frustração de viver condicionado unicamente ao movimento de pestanejar, decidiu que para ele seria melhor morrer. Sampedro foi o primeiro cidadão espanhol a pedir pela eutanásia, sob o argumento de que as pessoas devem ter o direito de decidir como querem viver ou morrer, de forma digna e legalizada. “A vida assim não é digna para mim…. Viver é um direito, não uma obrigação” (Ramón Sampedro). Durante anos, lutou na justiça para ter o seu desejo realizado, apesar de não ter a aprovação da sua família. Esta perseverança é uma prova de que o sofrimento físico e psicológico pode ultrapassar os limites humanos, sendo a eutanásia uma forma suave e digna de libertar a pessoa de uma realidade cruel e depreciativa. Assim, decidir a morte quando viver já não faz sentido é exercer o pleno direito de liberdade individual. Em conclusão, consideramos que, em situações limite, a eutanásia é eticamente correta e aceitável. Todos deveríamos ter a liberdade de poder escolher entre viver com falta de condições básicas ou morrer com dignidade. Ter o direito à vida não implica que a pessoa tenha a obrigação de viver uma vida que não quer ou uma vida que, por vários motivos, deixou de ser sua no sentido de vida em plenitude. Assim, o único objetivo da eutanásia é preservar a dignidade humana quando as circunstâncias assim o exigem, sendo a decisão mais corajosa que alguém alguma vez poderá tomar.

Chantal Gonçalves

Rita Folha

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